“Este é seu crime: a beleza!”
Resolvi rever Malèna (2000) de Giuseppe Tornatore devido à morte de Ennio Morricone, compositor da trilha sonora. Não lembro quando assisti ao filme pela primeira vez, mas deve ter sido alugado em VHS ou DVD logo que saiu nas locadoras, provavelmente com meus pais. Para ser sincero, lembrava da beleza da Monica Bellucci e do horror da cena dela sendo apedrejada em praça pública (era assim que me lembrava da cena). Para além disso, recordava-me de um vago tema sobra guerra.
Hoje, 20 anos depois do lançamento do filme, eu 20 anos mais velho, consigo percebê-lo de outra forma. Não sei se chorei quando o vi da primeira vez, devo ter ficado mais chocado que emocionado. Porém, desta vez, ri com frequência os dois terços inciais do filme e chorei desesperadamente no terço final.
Pude perceber que o “vilão” principal da história é a guerra, o fascismo e mais que isso, pude perceber como ele já estava oculto na própria sociedade onde surgiu, majoritariamente como opressão machista e religiosa. Não pretendo me alongar nestas considerações porque são óbvias. Algo mais subjetivo e sentimental me chamou a atenção: a infância e adolescência dos meninos e como é absurda e sufocante, não sendo difícil imaginar como, ao crescerem, a tendência ao fascismo era quase que consequente, apesar – e desta vez percebi – de o pai de Renato (o menino protagonista) ser contra Mussolini.
Sou descendente de italianos por parte de pai e pude identificar, com certa nostalgia e com certo assombro, cenas que poderiam ter sido típicas da minha infância, principalmente quando viajava para a casa de minha nona e me encontrava com meus primos mais velhos: a estrutura de pensamento a que os meninos eram submetidos praticamente não mudou até minha época. Na verdade, a estrutura a que me refiro tem muito mais a característica de ausência de estrutura: necessidade de se enquadrar em um grupo, normalmente limitado a uma única opção, ausência de diálogo em casa e opressão católica. É terrível para um menino descobrir-se sexualmente neste ambiente, o que, no filme, é agravado pela guerra e pela pobreza advinda dela, tanto pobreza material como espiritual. Enfim, divagações…
Malèna sofre durante o filme todo, desde seu início, pois é fácil esquecer que ela está sozinha em uma cidade que não é a dela e que seu marido (apenas um mês de casamento é dito!) teve que ir para a guerra. Os homens agem como hienas famintas. Nenhuma escolha é possível a não ser o rumo a que ela foi forçada. O que torna suportável o filme é que vemos através do olhar romântico de Renato Amoroso – nome extremamente sugestivo -, talvez o único daquela cidade (exceto o marido) que tenha de fato amado Malèna, porém sem saber o que era amor ou como lidar com este sentimento. É sofrível ver suas tentativas de heroísmo covarde para defendê-la. Aliás, outro detalhe horripilante no filme: a covardia tanto das mulheres, quanto dos homens. Os homens apenas quiseram possuir Malèna, como um objeto, literalmente, um troféu. E as mulheres enciumadas e assustadas agem como algoz tanto quanto os homens. Mas é claro que é fácil associar fascismo, machismo, guerra e covardia, são quase sinônimos.
Impossível não elogiar a direção de Giuseppe Tornatore, a fotografia de Lajos Koltai e a inebriante atuação de Monica Bellucci, todos perfeitos, mas em especial a trilha sonora de Ennio Morricone, afinal ele foi o motivo de rever o filme, e, quanto a isso, devo pedir desculpas, pois o filme é tão maestral que raras vezes lembrei de reparar exclusivamente na trilha sonora.
O que resta e que carregarei comigo é que o ser humano por vezes, e principalmente quando rodeado do horror, não suporta a beleza e tenta destruí-la, não atoa, no juri é dito sobre Malèna: “este é seu crime: a beleza!”. Já disse Yukio Mishima n’O Templo do Pavilhão Dourado: “a beleza é meu inimigo mortal”. Ainda bem que nem todos pensam assim.
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