CRÔNICA CRÍTICA: FESTIVAL DE CANNES 2011 e 2021 – DO SUBLIME AO GROTESCO EM UMA DÉCADA

“Titane” (Julia Ducournau) está para “Lamb” (Valdimar Jóhannsson), assim como “Melancholia” (Lars von Trier) está para “The Tree of Life” (Terrence Malick): ambos possuem temáticas equivalentes em vários aspectos e elementos em comum, mas os primeiros são pedantes, feitos com a intenção de chocar e sensibilizar o espectador, são espalhafatosos, mas carecem de profundidade efetiva, enquanto os segundos são estonteantemente belos, inspirados em toda uma tradição artística, mítica e filosófica, etéreos, sutis e contemplativos. Aqueles são verborrágicos, violentos e superficiais – há um provérbio sul-coreano para isto: “lata vazia faz mais barulho” –; estes são calmos, imensos e profundos, como as entranhas do oceano.

Isto mostra a discrepância no Festival de Cannes entre o ano de 2011 e o ano de 2021, há uma década atrás “The Tree of Life” ganhou a Palma de Ouro, neste ano “Titane” ganhou a Palma de Ouro. Em 2011 também “Arirang”, do falecido Kim Ki-duk, ganhou o prêmio “Un Certain Regard”, um filme extremamente íntimo, delicado, poético e melancólico.

Estou dizendo que há superioridade e inferioridade entres estes filmes? Seria temerário demais dizer isto! Mas uma coisa é certa, a premiação adotou outros valores e, aparentemente, o espetáculo, o choque e a violência descabida são mais valorizados atualmente que a contemplação, o diálogo com a história, os questionamentos metafísicos e a beleza. O grotesco tem mais valor que o sublime nos dias de hoje, provavelmente um retrato do nosso tempo, todavia, já dizia Victor Hugo: “O grotesco é uma forma do sublime”.

Ps.: Eu sei que “Lamb” não concorria a Palma de Ouro deste ano e isto inclusive pode ser um indício da mudança ideológica do festival (ou do juri), mas é possível que “Anette” (Leos Carax), “Benedetta” (Paul Verhoeven) e “Memoria” (Apichatpong Weerasethakul) fossem candidatos equivalentes, quanto a isto não posso afirmar nada, pois ainda não tive acesso a estes filmes.

“Dhalinyaro”, 2018 – Lula Ali Ismail

“Dhalinyaro” (2018) – Lula Ali Ismail

(Juventude; Youth)

Djibouti

drama

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“Eu me pergunto qual o sentido de sair daqui.”

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Asma, Hibo e Deka são três jovens com contextos de vida muito distintos e que precisam decidir se farão a faculdade em Djibouti ou na França. Apesar dos conflitos, sua amizade parece inquebrantável. Um filme repleto de ternura, que escolhe representar as qualidades e belezas deste país, sem negar suas imperfeições.

Através das três personagens, conhecemos o cotidiano da capital – também chamada de Djibouti –, além de sua sexualidade, sonhos e esperanças. São apresentados os costumes muçulmanos, o contraste entre a riqueza e a pobreza – uma das amigas é do subúrbio carente de Balbala –, os hábitos familiares, as maravilhosas, coloridas e vivazes vestimentas, as festas, as músicas e os mais diversos detalhes. Algumas questões mais específicas e dramáticas atravessam a narrativa, como o aborto, o adultério e a ausência paterna. Contudo, o que se destaca é a sororidade, a empatia e o sentimento de comunidade.

O ritmo do filme é tranquilo e agradável, intercalando conflitos e cenas românticas, com trilha sonora composta por músicas tradicionais e belas paisagens.

Este é o primeiro filme produzido no Djibouti e, como o provérbio dito por uma personagem, “os dromedários ficam em sintonia com o da frente”, que outros filmes sigam o mesmo admirável exemplo.

“Um Animal Amarelo”, 2020 – Felipe Bragança

“Um Animal Amarelo” (2020) – Felipe Bragança

(A Yellow Animal)

Brasil | Portugal | Moçambique

drama; fantasia

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“O que é que se pode fazer diante de tanta crueldade no mundo? O que é que se pode fazer diante de um mundo feito assim, de tanto mal?”

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Belíssimo e insólito, um filme poético, erótico, surreal, triste e esperançoso.

Retrato poético da carga que todos nós brasileiros carregamos, “um animal amarelo” que nos acompanha: a estúpida ambição portuguesa em busca de riquezas e pedras brilhantes, os cadáveres de incontáveis africanos que morreram escravizados neste solo e os outros tantos cadáveres indígenas de povos dizimados. Destes míticos ancestrais carregamos um lirismo melancólico e doloroso.

A narrativa segue um jovem cineasta, “branco brasileiro, sem origem e sem identidade, nem europeu, nem africano, nem indígena” que avança em sua jornada quixotesca de fazer um filme neste país cada vez mais despedaçado.

Com personagens excêntricos e espontâneos, filmado no Rio de Janeiro, em Portugal e em Moçambique, o filme é múltiplo em vários aspectos, tanto culturais quando visuais.

Uma obra que busca reconciliação com o passado e inspira esperança no futuro.

“Ste. Anne”, 2021 – Rhayne Vermette

“Ste. Anne” (2021) – Rhayne Vermette

Canadá

drama; fantasia

“Você é o realizador desta imagem? Ou você é apenas a triste imagem apresentada?”

Belíssimo mosaico de lembranças e gestos, que acompanha o reencontro entre mãe e filha na área rural e ancestral de Manitoba, no Canadá.

Uma atmosfera de nostalgia permeia o filme, que segue um ritmo etéreo, tênue e delicado, desvelando o mundo através da memória dos objetos, olhares, mãos, tecidos e sons. A montagem fragmentada induz uma sensação de sonho, assim como a trilha sonora envolvente, enigmática e, por vezes, lúgubre.

Um esplêndido exemplo de cinema anti-narrativo, onde o tempo escorre como a água e o que move a ação é a sinestesia e os sentimentos, criando uma história do ínfimo e do transitório. As paisagens oníricas, o céu, as árvores, o fogo, a neve e o lobo são tão ou mais protagonistas que os humanos.

Talvez, no fim de nossas vidas, seja um filme como este que passe diante de nossos olhos.

Uma obra arcana, que solicita do espectador mais emoção que compreensão.

Um dos filmes mais sensíveis já realizados!

O filme está no 5° FESTIVAL ECRÃ: https://festivalecraonline.com/ste-anne/

“Jai Jumlong” (Venha Aqui), 2021 – Anocha Suwichakornpong

“Jai Jumlong” (2021) – Anocha Suwichakornpong

(Venha Aqui; Come Here)

Tailândia

drama

“Isto é tudo o que resta.”

Um estudo belíssimo e contemplativo sobre a incomunicabilidade, o amor e a natureza humana.

O filme acontece em Kanchanaburi, na região oeste da Tailândia, lugar turístico, com natureza exuberante e onde encontra-se a linha de trem chamada “Estrada de ferro da morte”, que ligava a Tailândia à Burma, atual Myanmar. Hoje abandonada, esta ferrovia foi construída pelos japoneses durante a ocupação na Segunda Guerra Mundial e utilizou trabalhos forçados, levando à morte muitas pessoas.

A fotografia, em preto e branco, é deslumbrante, com planos longos e meditativos, a câmera quase sempre imóvel, permitindo observar cada minúcia apresentada na tela, à semelhança de quadros vivos. Desta forma, além da natureza ser realçada como um personagem sempre presente, as sutis nuances das expressões humanas são evidenciadas.

O filme, mesmo sendo ficção, assemelha-se a um documentário sobre a natureza humana, especialmente sua animalidade, como se o espectador estivesse em um zoológico de seres humanos. Há poucos diálogos e eles são circunstanciais, meros sons emitidos por animais, como o pio dos pássaros, o latido dos cães ou o uivo dos lobos – como fica exposto em várias cenas onde os personagens imitam estes animais. Observamos suas vidas como da janela de um trem: brevemente e de passagem. A imensidão das paisagens e este olhar modesto e despretensioso sobre o ser humano nos lembra de que não há uma dualidade entre natureza e humanidade, mas que tudo é natureza e que não existe seu outro. Percebemos que o ser humano vive em um cenário construído, como os animais no zoológico ou como um museu.

Entretanto, correndo o risco de anular toda a análise acima escrita, repito as palavras da diretora, Anocha Suwichakornpong, em uma entrevista no Festival de Berlim, onde o filme foi apresentado: “É muito importante para mim que o filme resista a definições”.

O filme está no 5° FESTIVAL ECRÃ: https://festivalecraonline.com/venha-aqui/

Entrevista com Anocha Suwichakornpong no Festival de Berlim: https://youtu.be/lgtADWKSVkg

Malèna, 2000 – Giuseppe Tornatore

Malena

“Este é seu crime: a beleza!”

Resolvi rever Malèna (2000) de Giuseppe Tornatore devido à morte de Ennio Morricone, compositor da trilha sonora. Não lembro quando assisti ao filme pela primeira vez, mas deve ter sido alugado em VHS ou DVD logo que saiu nas locadoras, provavelmente com meus pais. Para ser sincero, lembrava da beleza da Monica Bellucci e do horror da cena dela sendo apedrejada em praça pública (era assim que me lembrava da cena). Para além disso, recordava-me de um vago tema sobra guerra.

Hoje, 20 anos depois do lançamento do filme, eu 20 anos mais velho, consigo percebê-lo de outra forma. Não sei se chorei quando o vi da primeira vez, devo ter ficado mais chocado que emocionado. Porém, desta vez, ri com frequência os dois terços inciais do filme e chorei desesperadamente no terço final.

Pude perceber que o “vilão” principal da história é a guerra, o fascismo e mais que isso, pude perceber como ele já estava oculto na própria sociedade onde surgiu, majoritariamente como opressão machista e religiosa. Não pretendo me alongar nestas considerações porque são óbvias. Algo mais subjetivo e sentimental me chamou a atenção: a infância e adolescência dos meninos e como é absurda e sufocante, não sendo difícil imaginar como, ao crescerem, a tendência ao fascismo era quase que consequente, apesar – e desta vez percebi – de o pai de Renato (o menino protagonista) ser contra Mussolini.

Sou descendente de italianos por parte de pai e pude identificar, com certa nostalgia e com certo assombro, cenas que poderiam ter sido típicas da minha infância, principalmente quando viajava para a casa de minha nona e me encontrava com meus primos mais velhos: a estrutura de pensamento a que os meninos eram submetidos praticamente não mudou até minha época. Na verdade, a estrutura a que me refiro tem muito mais a característica de ausência de estrutura: necessidade de se enquadrar em um grupo, normalmente limitado a uma única opção, ausência de diálogo em casa e opressão católica. É terrível para um menino descobrir-se sexualmente neste ambiente, o que, no filme, é agravado pela guerra e pela pobreza advinda dela, tanto pobreza material como espiritual. Enfim, divagações…

Malèna sofre durante o filme todo, desde seu início, pois é fácil esquecer que ela está sozinha em uma cidade que não é a dela e que seu marido (apenas um mês de casamento é dito!) teve que ir para a guerra. Os homens agem como hienas famintas. Nenhuma escolha é possível a não ser o rumo a que ela foi forçada. O que torna suportável o filme é que vemos através do olhar romântico de Renato Amoroso – nome extremamente sugestivo -, talvez o único daquela cidade (exceto o marido) que tenha de fato amado Malèna, porém sem saber o que era amor ou como lidar com este sentimento. É sofrível ver suas tentativas de heroísmo covarde para defendê-la. Aliás, outro detalhe horripilante no filme: a covardia tanto das mulheres, quanto dos homens. Os homens apenas quiseram possuir Malèna, como um objeto, literalmente, um troféu. E as mulheres enciumadas e assustadas agem como algoz tanto quanto os homens. Mas é claro que é fácil associar fascismo, machismo, guerra e covardia, são quase sinônimos.

Impossível não elogiar a direção de Giuseppe Tornatore, a fotografia de Lajos Koltai e a inebriante atuação de Monica Bellucci, todos perfeitos, mas em especial a trilha sonora de Ennio Morricone, afinal ele foi o motivo de rever o filme, e, quanto a isso, devo pedir desculpas, pois o filme é tão maestral que raras vezes lembrei de reparar exclusivamente na trilha sonora.

O que resta e que carregarei comigo é que o ser humano por vezes, e principalmente quando rodeado do horror, não suporta a beleza e tenta destruí-la, não atoa, no juri é dito sobre Malèna: “este é seu crime: a beleza!”. Já disse Yukio Mishima n’O Templo do Pavilhão Dourado: “a beleza é meu inimigo mortal”. Ainda bem que nem todos pensam assim.

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Violet Evergarden, 2018 – Taichi Ishidate

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Violet Evergarden é um dos animes mais belos, em todos os aspectos, que já vieram à luz. Eu uso a palavra “luz” propositalmente, pois é uma das características mais marcantes da arte do anime. No momento em que escrevo esta crítica, estreou até o episódio 7 e está prestes a sair o episódio 8, ou seja, já passamos da metade do anime e é possível ter uma impressão mais verdadeira. Quando o anime acabar pretendo fazer uma crítica definitiva.

Apesar de tudo ser digno de nota nesta obra, há algo mais marcante ainda, para a história dos animes no ocidente, que a obra em si: a Netflix está lançando o anime com legendas simultaneamente aos lançamentos no Japão. Isto significa que os fãs ocidentais não precisam esperar algum fansub legendar os episódios e então assistir de forma pirata na internet. Graças à Netflix podemos assistir através dela, sem demora alguma, e demonstrar o apoio aos criadores. Afinal este é o triste da pirataria, os produtores das obras não recebem dinheiro algum por ela, tornando mais difícil a criação de novo conteúdo. Sinto-me muito feliz em contribuir com os criadores de uma obra que aprecio e espero que a Netflix continue com esta política de distribuição de animes.

Deixando assuntos de distribuição de lado, outro mérito de Violet Evergarden é a protagonista. Sem me alongar em spoilers, ela não remói o que aconteceu em seu passado, como a maioria dos personagens resmungões, ela aceita sua condição e avança, por sinal, de forma belíssima: uma busca pelo significado dos sentimentos. Todos os personagens secundários também são muito bem trabalhados, ao mesmo tempo em que não se demoram, cada episódio apresenta novos horizontes geográficos e humanos a Violet.

A trilha sonora é magnífica e estimula as nuances emotivas da narrativa. Por sinal a música de encerramento fica impregnada na cabeça, mesmo horas após o episódio ter acabado.

Mas apesar de todos estes elementos, a fotografia e a animação em geral são o ápice desta obra. Tantas cenas são deslumbrantes ao ponto de se perder o fôlego! Há um cuidado especial com a luz, que lembra muito os filmes de Makoto Shinkai. Todos os detalhes tem um tratamento muito atencioso, como roupas, cabelos, vento, água, etc. É difícil descobrir se os nossos olhos se enchem de lágrimas mais pelo enredo ou pela beleza visual.

Enfim, Violet Evergaden merece todos os elogios e, principalmente, merece ser visto!

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Inherent Vice (Vício Inerente), 2014 – Paul Thomas Anderson

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“Mas não há como evitar o tempo.

O mar do tempo.

O mar da lembrança

e do esquecimento…

Os anos de promessa passados

e irrecuperáveis…

Desta terra que já teve donos legítimos

e um destino melhor…

Mas que foi usurpada por malfeitores

que todos conhecemos bem…

E roubada…

E feita refém de um futuro

em que viveremos agora e para sempre.”

Vício Inerente, assim como qualquer filme de Paul Thomas Anderson, é primoroso! Todos são muito distintos uns dos outros, mas nunca inferiores. Quanto a este filme, apresenta uma atmosfera de psicodelia e mistério. A estrutura do roteiro parece um híbrido de Fear and Loathing in Las Vegas com Naked Lunch, misturando investigação policial e entorpecentes, o que desencadeia uma estrutura quase onírica de acontecimentos. Joaquin Phoenix está perfeito no papel do detetive particular que protagoniza o filme, assim como o resto do elenco: todos excelentes escolhas. A trilha sonora é marcante, composta por Jonny Greenwood do Radiohead, parceiro frequente de P. T. Anderson.

Com praticamente duas horas e meia de filme, Vício Inerente não se desgasta e poderia continuar pelo dobro do tempo que não seria tedioso, uma vez que oscila muito bem entre os sentimentos, despertando no espectador gargalhada, susto, curiosidade e principalmente deslumbramento.

Esta é mais uma indicação que uma crítica, pois prefiro não falar do conteúdo da obra, é melhor deixar o espectador agradavelmente perder-se no emaranhado da trama.

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Una, 2016 – Benedict Andrews

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Inútil começar de outro modo que não seja elogiando a performance de Ben Mendelsohn e, especialmente, de Rooney Mara. Os dois atores sustentam um filme clean visualmente, imagino que de propósito, uma vez que isto contribui para o sutil absurdo de toda a circunstância. Prefiro evitar qualquer sinopse simplista e acidentais spoilers, por isso omitirei a narrativa central da obra, há coisas mais valiosas a serem observadas. O filme em seu todo é extremamente angustiante, silenciosamente opressor, pálido, oco e é exatamente assim que desenvolvemos uma empatia nauseante com Una, a personagem de Mara. Temos a impressão de partilhar a agonia da protagonista: mais de uma vez tive vontade de me afastar do filme, ato impossível para Una — afastar-se de sua vida. O vazio que o filme nos apresenta, inclusive após seu término, é a principal narrativa, não qualquer vazio, mas um vazio suspeito, algo está faltando, algo não se encaixa perfeitamente, e isto transparece a psiquê de Una e, talvez, uma suposta impunidade de Ray, personagem de Ben Mendelsohn. Não temos acesso ao que realmente aconteceu senão (ao molde de Rashomon) pela narrativa parcial e emotiva dos envolvidos. Para além disso o ambiente onde as cenas se desenvolvem é absurdo: um galpão industrial, uma festa familiar, etc., lugares onde parece “errado” ter qualquer tipo de discussão séria, qualquer explosão emocional; e esta é uma das partes mais interessantes do filme, por mais que Una queira enfrentar Ray, ela mantém as aparências para os demais, causando um desconforto ainda maior: ela se comporta como uma assombração da qual Ray se esforça por fugir (não que ele não mereça ser assombrado).

Enfim, Una é um filme difícil e complexo – a começar pelo tema -, apesar de sua aparência ilusoriamente simples.

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Når dyrene drømmer (Quando os animais sonham), 2014 – Jonas Alexander Arnby

Når dyrene drømmer

Når dyrene drømmer é um belo filme de horror nórdico. Para quem desconhece este nicho cinematográfico o filme pode ser uma boa porta de entrada. Junto com os orientais (principalmente Japão, Coréia do sul e Tailândia), os países nórdicos têm produzido os melhores filmes de horror da última década. Naturalmente que não se deve esperar os clichês dos filmes hollywoodianos mainstream como sustos, sangue esguichando, gente gritando, correndo e se escondendo o filme todo, etc. Tanto os orientais (um exemplo é Kiyoshi Kurosawa já comentado neste blog aqui) como os nórdicos preferem um horror mais psicológico, delicado e às vezes poético e crítico, como é o caso do dinamarquês Når dyrene drømmer. A quem interessar conhecer mais sobre horror nórdico deixo duas indicações de filmes que ficaram relativamente famosos na época de seus lançamentos: Låt den rätte komma in (Deixa Ela Entrar), filme sueco de 2008 e Trolljegeren (O Caçador de Trolls), filme norueguês de 2010.

Quanto a Når dyrene drømmer eu não retiraria o horror de sua classificação, mas definitivamente o filme tem muito mais peso no retrato de uma adolescente e na reação das pessoas de um pequeno vilarejo, sendo antes um drama crítico que algo aterrorizante (pelo menos para quem não está na pele da menina).

Não pretendo me alongar muito na crítica – até para evitar spoilers -, mas vale a pena ser dito que o filme pode muito bem ser visto superficialmente como uma história de horror em um vilarejo costeiro da Dinamarca, mas que sua substância real está em transmitir alegoricamente por um lado os dilemas que uma adolescente passa com mudanças corpóreas, desejos desconhecidos, humor instável, etc. e por outro lado o preconceito com qualquer um que seja diferente, ainda mais em um pequeno vilarejo nórdico.

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